28/12/2012

O Caminho.

O homem evoluiu das cavernas ao homo sapiens sapiens, no entanto, no artigo O CAMINHO COMO ARQUÉTIPO, Leonardo Boff escreveu:

“O caminho constitui um dos arquétipos mais ancestrais da psique humana. O ser humano guarda a memória de todo o caminho perseguido pelos 13,7 bilhões de anos do processo de evolução. Especialmente guarda a memória de quando nossos antepassados emergiram: o ramo dos vertebrados, a classe dos mamíferos, a ordem dos primatas, a família dos hominidas, o gênero homo, a espécie sapiens/demens atual.” 

Não sei se Leonardo Boff, ao usar a denominação sapiens/demens, reconhecia o pensamento de Edgar Morin; antropólogo e filósofo francês, que defende existir uma duplicidade no ser humano que, ao mesmo tempo que é lúcido apresenta certo grau de demência; ou se fazia uma crítica ao comportamento da sociedade atual; mas não importa, importa mesmo é o caminho.

Na tradução da obra OS DEVERES, do filósofo romano Cicero, com referência ao capítulo35, o tradutor Luiz Feracine escreveu:

“Na realização de nosso projeto existencial devemos avaliar, com a mente e com o coração, o que queremos ser e quais os deveres a obedecer. Assim evitaremos ser vitima da fortuna (azar) e das circunstâncias. O que importa mesmo é saber qual o caminho reto para a vida.”

Mas como saber se o caminho escolhido, entre tantos que aparentemente se apresentam, é um bom caminho? 

De todas as metáforas que conheço à respeito desse arquétipo a que mais me agrada é a do “Caminho com coração” que o índio/bruxo mexicano Don Juan transmitiu ao antropólogo Carlos Castaneda, autor de vários livros nos quais relata sua experiência/vivência com o Xamã.

Caminho com coração é aquele com o qual nos identificamos completamente e ao percorrê-lo encontramos alegria e realização pessoal; não tem necessariamente que levar a algum lugar ou objetivo, usufruir da caminhada já é o bastante… se bem que, ao percorrer um caminho com coração, o quinhão de insanidade do caminhante iria se dissipando, e não seria esse um tremendo objetivo?

 

Para o ano que chega desejo… àqueles que ainda não encontraram um caminho com coração que, pelo menos, os vislumbrem e… àqueles que já os trilham, que muito caminhem.

Obrigado por suas visitas.                                               Lister.

08/12/2012

Deserto.

Na linha da postagem anterior, Respeitável senhora, recebi de um amigo texto de Jean Yves Leloup intitulado A EXPERIÊNCIA DO DESERTO NO CORPO, do qual reproduzo trecho…

Quem sabe o que faz multiplica o efeito da ferramenta que usa; no caso, as palavras: 

“Certa vez o desgosto se apodera de todo o nosso ser: tudo tem um sabor de poeira, o corpo fica frio, cheio de febres, o ar nos sufoca. É um peso enorme que a pessoa arrasta enquanto, implacáveis, se vão escoando os dias... “Morrer – dizia o canto – não tenho medo de morrer, mas sim de envelhecer”... e, cada dia, um pouco do ouvido, um pouco da vista, um pouco do paladar me é mais distante, sempre mais ausente.

As rochas mais duras se deixam erodir pelo vento, os corpos mais sólidos se deixam levar pelo tempo, e ai ocorrem os mercadores de eterna juventude, com seus cremes, seus liftings, seus tratamentos e seus remédios, suas viagens organizadas para o esquecimento... Esperava-se um milagre, mas o que descobre é uma miragem, e cada ruga, cada achaque aí está para lembrar o imutável.

Envelhecer e recusar-se a envelhecer vai dar origem a toda a sorte de miragens; mas envelhecer e aceitar envelhecer vai ser fonte de milagres. Mesmo que seja um deserto de que se fala pouco ou se fala mal, a velhice, da mesma forma que a doença, é por vezes um deserto que se demora muito a atravessar, de onde a única saída que se vislumbra é fatal.

E, no entanto, através da aceitação do nosso ser como mortal pode despertar-se em nós o Oásis. “Tudo aquilo que é composto um dia será decomposto”. Não é uma verdade triste. É uma simples evidência. Esposar essa evidência nos torna capazes de viver com intensidade nova o “instante” presente, de lhe aproveitar as menores facetas, pois esta paisagem, este rosto, este dia-a-dia, na sua austeridade, bem sabemos que nada restará de tudo isso.

O deserto nos revela a fugacidade, a fragilidade da existência humana, e quando se renunciou às miragens, ou seja, quando se renunciou a preencher os vazios com nada, revela-se o milagre deste “instante”.

É necessário ter sido privado das pernas, para se espantar ao colocar o pé diante do outro; é necessário ter sido impedido de respirar, para se espantar com o menor movimento respiratório...

Pode se encontrar em pessoas que há muito tempo enfermas, ou em certos velhinhos, frescores de oásis, pois se há claridade no olhar de uma criança, há luminosidade no olhar de um ancião, uma luz que viu a noite, uma inocência que atravessou o deserto, uma inocência que nada ignora das durezas, dos esplendores da existência.

Son sourire brille sous la cendre: Seu sorriso brilha sob as cinzas.”

01/12/2012

“Respeitável senhora”.

Cresci em um tempo onde, em casa, eram velados os mortos…

Um tempo no qual crianças iam a velórios e a morte não lhes era escondida ou negada...

E, uma ou duas vezes, fui repreendido por brincar sob cachões…a efervescência da vida se contrapondo à imobilidade da morte…vida e morte; sempre unidas e sempre separadas…

Talvez por isso me compadeça com o medo e ingenuidade daqueles que tentam, com silêncio e “cosméticos”, colocar na sombra essa “inevitável senhora”.

 

Talvez por isso tenha me surpreendido quando fui criticado por levar meus filhos, ainda crianças, aos velórios do avô e do primo…

- Você deveria poupá-los disto! Disseram.

Como se devesse me sentir culpado por permitir que crianças indefesas fossem apresentados a uma “indesejável senhora”.

Talvez por isso tenha gostado do artigo de Cláudia Collucci sobre essa “incompreendida senhora”.

Talvez, também por isso, tenha resistido a uma medicina que se agarrando exageradamente à vida, só agora, com os cuidados paliativos, comece a reconhecer um antigo/novo lado de uma “respeitável senhora”.